Certas vidas são tão extraodinárias que parecem uma obra de ficção. A da pacifista austríaca Bertha von Suttner é uma delas. Superando preconceitos e armada de amor e otimismo, ela dedicou a maior parte do seu tempo clamando pelo fim das guerras e pela compreensão entre os povos. Acabou influenciando um amigo e admirador a criar um prêmio que estimulasse a ciência, a cultura e a paz. E se tornou a primeira mulher a recebê-lo de forma individual.
Bertha von Suttner nasceu com o título de Condessa Kinsky de Wchnitz e Tettau em 1843 em Praga – então parte do Império Austríaco –, no seio de uma família nobre da Boêmia. O pai, general, morreu antes de seu nascimento, o que não impediu que ela tivesse uma educação refinada, com várias viagens e o aprendizado de diversos idiomas e instrumentos musicais.
Com passar dos anos sua mãe, uma mulher um tanto excêntrica, esgotou a fortuna da família em jogos de azar. Aos 30 anos e sem nenhum dinheiro, Bertha foi para Viena trabalhar como governanta da família do industrial Karl Freiherr von Suttner, para educar as quatro filhas da família em música e línguas. Acabou se apaixonando pelo filho mais novo do casal, Arthur von Suttner, que era sete anos mais jovem que ela – um escândalo para a época.
A mãe de Arthur proibiu o relacionamento e dispensou os serviços de Bertha, arrumando-lhe um outro emprego bem longe dali, como secretária em Paris de um jovem cientista sueco chamado Alfred Nobel. O contato dos dois foi breve mas intenso, com relatos de que Alfred teria se apaixonado por Bertha.
Mas seu coração já estava ocupado: após duas semanas na capital francesa ela voltou à Viena e casou-se secretamente com Arthur von Suttner, assumindo seu sobrenome. Deserdados e sem aceitação na cidade, o casal mudou-se para Tbilisi, a capital da Geórgia, sobrevivendo do jeito que dava com empregos temporários.
Foram oito anos vivendo ali, tempo em que ambos desenvolveram grande talento para a escrita e vivenciaram uma experiência transformadora: a guerra entre a Rússia e a Turquia ocorrida entre 1877 e 1878. Enquanto Arthur escrevia reportagens para as principais publicações europeias de língua alemã, Bertha se engajava no movimento pacifista.
De volta à Viena após se reconciliar com a família Von Suttner e trabalhando como jornalista, ela escreveu o livro “Abaixem as Armas!”, um libelo pacifista que se tornou um best-seller internacional. Com um peso cada vez maior dentro do tema, Bertha liderou a criação de organizações pacifistas, além de outras de luta pelos direitos das mulheres e pelo fim da exploração de animais em experimentos científicos. Definitivamente uma pessoa muito à frente de seu tempo.
Nessa época intensificou-se a troca de correspondência com seu velho amigo Alfred Nobel. Nas cartas fica claro como ela o convenceu a se engajar na luta pela paz mundial. Quando o cientista morreu, milionário e sem herdeiros, ordenou em seu testamento a criação da fundação que leva o seu nome para premiar quem trouxe avanços para a humanidade nas áreas de física, química, medicina, literatura e pacifismo – citando como itens a serem considerados nessa categoria quem influenciou a irmandade entre povos, a diminuição de armamentos e a criação de congressos para a paz.
Não surpreende portanto que a própria Bertha von Suttner fosse agraciada em 1905 com o Nobel da Paz, sendo a primeira mulher a receber o prêmio individualmente – dois anos antes, a francesa Marie Curie havia ganho o Nobel de Física junto de seu marido Pierre Curie e o colega Henri Becquerel.
A morte de seu amado Arthur em 1902 não diminuiu seu ímpeto lutador, manifestado em uma peregrinação constante pelo mundo entre congressos e palestras. Ela chegou até mesmo a ser recebida na Casa Branca pelo presidente Theodore Roosevelt.
Bertha von Suttner morreu de câncer em 21 de junho de 1914 aos 71 anos, poucas semanas antes da eclosão da I Guerra Mundial – cuja proximidade e horrores ela vinha publicamente advertindo. Suas últimas palavras proferidas a amigos próximos foram “Abaixem as armas! – digam à muitos – muitos”.
Um instituto em seu nome continua ativo na luta pela paz mundial. A pacifista também foi lembrada numa nota de mil xelins de 1970 e na atual moeda de dois Euros emitida pela Casa da Moeda austríaca.
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